Como exemplo do gênero Entrevista, atual assunto em nosso curso, coloco abaixo uma entrevista feita pelo jornalista Michelson Borges (contida em seu livro Por que creio: doze pesquisadores falam sobre ciência e religião, 2ª Ed., Tatuí, SP : Casa Publicadora Brasileira, 2004) ao Dr. Siegfried Julio Schwantes. Para diferenciar um pouco dos temas abordados em aula, trago à tona um tema que, apesar de já ter sido abordado, de repente, não teve tempo suficiente para ser desenvolvido razoavelmente, pelo menos não “o outro lado da história”.
O Dr. Schwantes é natural de Poços de Caldas, Minas Gerais. É bacharel em Física e Química, tem o mestrado em Teologia na antiga Potomac University e o doutorado em Estudos Vétero-Testamentários na Johns Hopkins University. Este doutorado incluía estudos das línguas semíticas, o que fez com que no segundo ano Schwantes tivesse que estudar cinco línguas: hebraico, aramaico, árabe, egípcio antigo (inclusive a leitura de hieróglifos) e acádio (a língua-mãe do assírio e do babilônico).
Ao longo de tantos anos como pesquisador da arqueologia bíblica e das línguas semíticas, o que mais lhe chamou a atenção quanto à confiabilidade das Escrituras?
A Arqueologia não prova a Bíblia, mas demonstra que o quadro cultural e histórico da Bíblia corresponde à realidade. Se este quadro é fidedigno, segue-se que a mensagem religiosa que ela comunica ao leitor é também digna de fé. A Arqueologia, projetando luz sobre a língua, história e religião de povos contemporâneos de Israel, permite-nos compreender muitos termos técnicos e alusões históricas, que de outro modo nos escapariam. Como exemplo, podemos citar o termo Miqweh, de I Reis 10:28, que permaneceu obscuro até que o Dr. William F. Albright reconheceu nele uma referência a Qweh, nome antigo da Cilícia, de onde Salomão importava cavalos.
Há quem acredite que o texto bíblico, ao ser traduzido, pode ter sido alterado de tal forma que já não se pode confiar integralmente em sua mensagem. Isso é assim?
Não há perigo de que o texto bíblico tenha sofrido seriamente ao ser traduzido de uma língua para outra. O Antigo Testamento, por exemplo, foi traduzido do hebraico para o grego entre 250 e 150 antes de Cristo, para o benefício de congregações judaicas no Egito que não mais estavam familiarizadas com a língua materna. O Antigo Testamento resultante é conhecido como a Septuaginta. Há várias cópias da Septuaginta, e ela é citada por muitos estudiosos conhecidos como “pais da igreja”, inclusive por escritores do Novo Testamento. Pois bem, essas citações podem ser comparadas com o texto hebraico, e verifica-se que as pequenas divergências não afetam nenhuma doutrina fundamental. Jerônimo traduziu o Antigo Testamento do hebraico para o latim, e o texto resultante, conhecido como a Vulgata, foi a única Bíblia que a Europa conheceu durante a Idade Média. Longe de as traduções corromperem o texto bíblico, elas permitem comparar as várias traduções e constatar um elevado grau de respeito pelo texto original.
Fale sobre os Manuscritos do Mar Morto.
Os Manuscritos do Mar Morto, que começaram a vir à luz em 1947, contêm além de livros próprios da seita dos essênios, dois manuscritos de Isaías e um comentário do livro de Habacuque, além de muitos fragmentos que resistiram à passagem do tempo. Os estudiosos têm aí a oportunidade de comparar os textos bíblicos tais quais eram no tempo de Cristo com os melhores textos do Antigo Testamento em hebraico, que chegaram até nós. De novo as diferenças são mínimas, geralmente diferenças de ortografia, uso de sinônimos, e outras pequenas variantes, que não afetam nenhuma doutrina bíblica.
A datação do material foi facilitada pelo fato de que muitas moedas foram ali achadas. Como de Vaux observou, “as datas são confirmadas [também] pela cerâmica em diferentes partes do edifício”.
Note que mil anos separam os textos bíblicos achados nas cavernas de Qumran dos melhores manuscritos do Antigo Testamento. Havia grande oportunidade para que erros fossem introduzidos no texto bíblico. A concordância dos textos atesta o esmero com que os copistas fizeram seu trabalho para preservar a pureza do texto do Antigo Testamento que chegou até nós.
Tomando como exemplo o Rolo A de Isaías, de todos o mais completo, pode-se afirmar que seu texto consonantal é praticamente idêntico ao texto de Isaías contido na Bíblia Hebraica, editada por Jacob Bem Chayyim, em 1527.
Podemos aceitar que os dias da Criação foram realmente dias de 24 horas? O que a língua original de Gênesis nos diz a respeito?
A língua original de Gênesis só conhece um valor para o termo yom, que significa “dia”. Nenhum texto bíblico apóia a idéia de que yom possa significar “época”.
Algumas pessoas, numa tentativa de evitar maiores problemas com o evolucionismo, aplicam a teoria dos dias-eras ao relato de Gênesis 1. Para elas, os seis dias da Criação são, na verdade, longos períodos de tempo. Será que isso é possível? Antes de mais nada, é preciso deixar claro que o termo yom em Gênesis 1 não se liga a qualquer preposição; não é usado em uma relação construtiva; e não tem nenhum indicador sintático que seria de esperar para um uso extensivo não literal. Nas Escrituras, a palavra yom invariavelmente significa um período literal de 24 horas, quando precedida por um numeral, o que ocorre 150 vezes no Antigo Testamento. Obviamente, no relato da Criação existe sempre um numeral precedendo aquela palavra – primeiro, segundo, terceiro... sétimo dia; e essa regra para a tradução de yom como um dia literal aplica-se neste caso.
O que parece ser significativo, também, é a ênfase dada à sequência dos numerais 1 a 7, sem qualquer hiato ou interrupção temporal. Esse esquema de sete dias (seis dias de trabalho seguidos por um sétimo dia de repouso) interliga os dias da Criação como dias normais em uma sequência consecutiva e ininterrupta. O relato da Criação em Gênesis 1 não somente liga cada dia a um numeral sequencial, como também estabelece as fronteiras do tempo mediante a expressão “tarde e manhã” (versos 5, 8, 13, 19, 31). A frase rítmica “e houve tarde e manhã” provê uma definição para o “dia” da Criação; e se o “dia” da Criação constitui-se de tarde e manhã, é, portanto, literal. O termo hebraico para “tarde” – ´ereb – abrange toda a parte escura do dia (ver dia/noite em Gênesis 1:14). O termo correspondente, “manhã” (em hebraico bqer) representa a parte clara do dia. “Tarde e manhã” é, portanto, uma expressão temporal que define cada dia da Criação como literal. Não pode significar nada mais.
Outra espécie de evidência interna no Antigo Testamento para o significado dos dias resulta de duas passagens sobre o sábado no Pentateuco, que se referem aos dias da Criação. Elas informam ao leitor quanto a como os dias da Criação foram compreendidos por Deus. A primeira passagem faz parte do quarto mandamento do Decálogo, e está registrada em Êxodo 20:9-11: “Seis dias trabalharás ... mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus ... porque em seis fez o Senhor os céus e a terra ... e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.” Estas palavras foram proferidas por Deus (verso 1). A ligação com a Criação transparece no vocabulário (“sétimo dia”, “céus e terra”, “descansou”, “abençoou”, “santificou”) e no esquema “seis mais um”. Evidentemente as palavras usadas nos Dez Mandamentos deixam claro que o “dia” da Criação é literal, composto por 24 horas, e demonstram que o ciclo semanal é uma ordenança temporal da Criação. Argumentar em contrário é forçar o texto bíblico a dizer o que não diz.
Por que o senhor considera o criacionismo uma filosofia mais aceitável que o evolucionismo?
Porque não posso conceber que o Universo maravilhoso em que vivemos pudesse ter vindo à existência a partir do nada. Não posso conceber, tampouco, que o caos pudesse se transformar num cosmos sem a intervenção de um Deus infinitamente sábio e poderoso. “Os céus declaram a glória de Deus” (Salmo 19:1). A entropia, um princípio básico da Física, sugere degradação e desordem crescentes, e não organização e harmonia. Nem o criacionismo, nem o evolucionismo podem ser verificados no laboratório, como exige a ciência. Ambos não passam de filosofias, e como filosofias só são aceitos pela fé. Se é questão de fé, prefiro aquela que requer menos credulidade. Para mim, é mais crível que um Deus infinitamente sábio e onipotente trouxesse este Universo à existência, do que crer que o Universo surgisse do caos espontaneamente.
Para o senhor, quais são as maiores evidências da existência do Criador?
Creio que seja justamente este Universo com toda a sua beleza e harmonia. O Big Bang pressupõe energia inicial que explode e se expande, para produzir o Universo tal qual existe hoje. De onde veio essa energia, se do nada, nada pode surgir? A complexidade irredutível observada mesmo em uma célula viva não poderia ter vindo à existência por um processo evolucionário, de incremento e incremento. A razão é que os mecanismos biológicos não funcionariam antes de todos os componentes estarem presentes e funcionando. Uma célula viva mais se parece com uma fábrica sofisticada do que com um glóbulo de proteína, como Darwin imaginava. O desígnio evidente em toda natureza só pode ser produto de um Planejador infinitamente sábio e onipotente. E é a esse Planejador que eu adoro como meu Deus.
[HR] Fica aí mais um relato para você tirar suas conclusões, porém as minhas, apesar de aparentemente já conhecidas pelos meus colegas, são as seguintes:
1º) Com relação ao gênero, dá para perceber o discurso ideológico do entrevistador, pelo menos minimamente. Fica claro que o entrevistador precisa ser conhecedor do ponto de vista do entrevistado (suas obras, etc.), como é o caso. Estou em parte convencido de que não há como o entrevistador não indicar seu discurso ideológico no texto. Quanto à comparação entre os textos preparados para programas televisivos, pelo menos as partes apresentadas na sala de aula, este tipo de entrevista parece mais agradável de acompanhar, já que não há a imposição rigorosa de um discurso ideológico, que chega até a humilhar o entrevistado. A contextualização da entrevista encontra-se resumida por mim no parágrafo que antecede às perguntas.
2º) Com relação ao tema, esta entrevista abre caminhos, comumente não revelados pela mídia, e responde muitas dúvidas apresentadas por aqueles que não leem a Bíblia – talvez por críticas de outros que também não a leram mas que estão dispostos a criticar o que não conhecem (#ironia), ou até por medo, etc.
Posso encerrar dizendo que não tenho fé suficiente para ser ateu ou evolucionista, mas apenas o suficiente para crer nas evidências encontradas, que ressaltam a veracidade bíblica.
Abro então a oportunidade para seus comentários e deixo abaixo a minha sugestão de leitura, blz?