Somos todos crentes. Cristãos, hindus, budistas, muçulmanos, ateus, agnósticos, ecologistas, terroristas -- todos creem em alguma coisa ou em alguém. Enquanto uma pessoa religiosa crê na existência de Deus, um ateu crê que nada existe fora da matéria e energia, e ambos podem discutir amplamente sobre que ponto de vista está certo ou errado. Crer não significa necessariamente que o objeto de nossa crença seja verdadeiro e verificável. Com efeito, cada um aborda o estudo da natureza com certo grau de fé. É essencial que abordemos nosso estudo com uma mente aberta, admitindo que poderíamos estar errados, sempre buscando a verdade.
A ciência orgulha-se de sua objetividade. Mas é a objetividade possível mesmo? Sejamos francos. A ciência envolve a interpretação dos dados encontrados na natureza, e tão logo se inicia a interpretação destes dados, estamos introduzindo nela um elemento subjetivo, um conjunto básico de suposições de como são as coisas no universo. Ninguém estuda as estrelas, ou o corpo humano, ou a biologia celular, com sua mente inteiramente despida de pressuposições. Qualquer pessoa, mesmo os cientistas, traz consigo algumas pressuposições, com as quais interpreta os dados à luz destas pressuposições. Compreender isto faz grande diferença de como vemos a pesquisa científica, e como devemos encarar nossos compromissos religiosos.
É geralmente aceito que o que está em nossa mente afeta poderosamente o que percebemos, e como interpretamos nossas observações. De fato este conceito psicológico nos ajuda compreender por que uma pessoa se irrita com algo enquanto outras podem não se amofinar absolutamente; ou por que certos indivíduos entram em relações destrutivas; ou por que alguns se sentem miseráveis embora tenham uma família amorosa e vivam com certa abastança. Em todo caso, isso tem que ver com o modo como o indivíduo percebe as circunstâncias; isto é, com que pressuposições ele ou ela aborda a situação.
Os filósofos freqüentemente usam a expressão visão do mundo (ou cosmovisão) para descrever o conjunto de conceitos ou idéias pré-concebidas com que as pessoas abordam os dados -- científicos, religiosos, políticos, ou quaisquer outros -- interpretando-os e tirando suas conclusões. A cosmovisão é um mapa mental de como o universo funciona. Muitas de nossas escolhas sobre como interpretar a evidência científica decorrem de uma decisão inicial totalmente importante -- crer ou não em um Poder Superior.
Consideremos dois exemplos. Os naturalistas creem que não existe "Poder Superior", e que tudo que vemos é o produto de energia e matéria guiadas pelo acaso. Os cristãos acreditam que existe um "Poder Superior", uma inteligência cósmica externa ao que percebemos como o mundo "natural". A escolha se resume às duas afirmações:
1. "No princípio era o Verbo ... todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez."
2. "No princípio eram as partículas, e as partículas se tornaram seres humanos, que fizeram Deus à sua imagem."
O apóstolo João fez a primeira afirmação, que resume a cosmovisão bíblica. A segunda afirmação descreve o Darwinismo e representa uma cosmovisão oposta. Os defensores de cada cosmovisão devem partir da crença em uma delas. Os que têm dúvida quanto à natureza da fé depositada no sistema darwinista bem fariam em atentar para as palavras de Richard Lewontin, geneticista da Universidade de Harvard: "Ficamos ao lado da ciência apesar do patente absurdo de algumas de suas interpretações, apesar de seu fracasso em cumprir muitas de suas pródigas promessas de vida e saúde, apesar da tolerância da comunidade científica com relação a suas meras histórias não fundamentadas, porque temos um compromisso maior, um compromisso com o materialismo. ... O problema principal não é informar o público quanto ao conhecimento de quão longe está a estrela mais próxima, e do que são compostos os genes. ... Mais do que isso, o problema é levá-lo a rejeitar explicações irracionais e sobrenaturais a respeito do mundo, das divindades que existem somente em suas imaginações, e a aceitar um aparato social e intelectual, a ciência, como a única geradora da verdade." [1]
Os naturalistas não deveriam ser entendidos como pessoas que "não creem . Eles têm tanta fé quanto as pessoas religiosas, tão somente creem em algo diferente.
O que é a ciência
Ao falarmos de ciência quase sempre pensamos em física, química, computação, etc., ou no método científico, fatos, mensurações, e assim por diante. Muitos de nós não estão alertados para o fato de que a palavra ciência é usada como um guarda-chuva para abrigar atividades bastante diversificadas. Considere esta citação da revista Popular Science: "As conseqüências das deficiências na educação em ciências e matemática são visivelmente devastadoras. Somente 45% dos adultos nos E.U.A. sabem que a Terra dá uma volta ao redor do Sol anualmente. Um terço acredita que ferver leite contaminado com radioatividade o torna adequado para ser bebido. Cerca de 40% acredita firmemente que extra-terrestres têm visitado a Terra, e um impressionante 54% rejeita a idéia de que os seres humanos evoluíram a partir de espécies ancestrais."[2]
Vejam como o guarda-chuva da ciência é usado para abrigar duas categorias de conhecimento bastante diferentes! A compreensão disso é a chave para a boa educação científica, bem como para entender muito do conflito entre ciência e religião no mundo atual. Como proceder, então?
Diferentes espécies de ciência
Primeiramente, devemos aprender a reconhecer a diferença entre as diferentes categorias colocadas sob a denominação de "ciência". Dentre elas, por exemplo, ciência empírica e ciência histórica. Ciência empírica é o que mais nos vem à mente quando vemos a palavra ciência. É o que nos foi ensinado na escola como física e química, onde se emprega o método científico. Sua aprendizagem envolve (1) fazer observações e fazer uma indagação; (2) formular uma hipótese ou uma "tentativa de resposta" que ajude a explicar as observações; e (3) propor e executar um experimento para testar a hipótese, para ajudar a determinar se nossa tentativa de resposta é correta. Observe-se que nunca poderemos "provar" uma hipótese -- as provas somente podem existir em certos ramos da matemática.
Apliquemos este teste aos assuntos considerados na revista Popular Science mencionada anteriormente. A questão relativa à contaminação radioativa do leite é ciência empírica. Ferver o leite remove a radioatividade? Isso pode ser testado em laboratório. Esta questão, como milhares de outras semelhantes, não é objeto de controvérsia na comunidade científica, porque elas são empíricas, e as respostas são obtidas a partir de dados gerados mediante experimentos repetitíveis em laboratório.
O segundo tipo de ciência -- ciência histórica -- é distinto, sob um aspecto importante e fundamental. Ao contrário da física, da química, e de boa parte da biologia, os cientistas nesse caso não podem ir ao laboratório para testar suas hipóteses. Em ciência histórica são coletados dados no campo, que são utilizados para reconstruir o passado da maneira mais consistente possível com as evidências disponíveis. Usando uma expressão comum, pode-se dizer que em ciência histórica os cientistas observam as evidências e então "contam uma história" que se acomoda aos dados. Não há história que possa explicar todas as evidências, e ainda mais, pode existir mais de uma história que explique os dados satisfatoriamente. Como não há possibilidade de um experimento em laboratório para testar estes tipos de história, é difícil saber se uma delas é correta e outra errada. Mais importante ainda, nossa decisão sobre que história é correta é poderosamente influenciada por nossa cosmovisão.
Alguém pode objetar que a ciência histórica na realidade não é ciência, já que ela não provê respostas que possam ser verificadas experimentalmente. Entretanto, a arqueologia é reconhecida como ciência, a despeito do fato de que, mesmo utilizando procedimentos de laboratório repetitíveis, ela não possui método empírico para testar as hipóteses dos arqueólogos. Existiram os reinos de Davi e Salomão, como descritos na Bíblia? Muitos arqueólogos não crêem que existiram, enquanto outros discordem. Porém, existem fortes argumentos a respeito de sua história, devido à falta de maneira definitiva de testar as hipóteses históricas.
O mesmo acontece com a paleoantropologia, o estudo dos seres humanos antigos e seus supostos ancestrais. Devido às numerosas hipóteses possíveis, surgem constantes controvérsias nesse campo: discussões sobre que fóssil é o "elo perdido", ou sobre se este ou aquele fóssil faz parte da linha ancestral humana, ou simplesmente de um ramo extinto, etc.
A ciência histórica se faz presente não somente na arqueologia ou na paleoantropologia, mas também em certas ciências experimentais, como, por exemplo, quando os astrofísicos discutem sobre o que aconteceu durante os primeiros segundos após o Big Bang. Ninguém tem documentação visual sobre o que ocorreu então, e portanto os cientistas têm de examinar as evidências (muito limitadas) disponíveis, e então usar equações matemáticas para explicar a história do que poderia ter ocorrido quando o universo estava nascendo. Em seguida, eles comparam sua posição com as observações que estão sendo feitas, e finalmente, discutem com quem tiver uma opinião diferente.
Da mesma forma, na química são feitas tentativas de estabelecer um modelo para a atmosfera da Terra "primitiva", para tentar explicar como surgiu a vida através de processos estritamente físicos. Mediante o exame das rochas mais antigas que possam ser encontradas, mediante a reunião de todas as pistas que possam ser encontradas a respeito das condições da atmosfera "primitiva", e então combinando essas descobertas com o conhecimento atual das reações químicas, os cientistas têm tentado simular um modelo para a atmosfera "primitiva" da Terra. Obviamente, não há como saber quão acuradas essas simulações podem ser. A pesquisa sobre a origem da vida utiliza muitas técnicas científicas, e é levada a cabo em laboratórios científicos, porém permanece indiscutivelmente na categoria de ciência histórica porque as conclusões a que chegam os pesquisadores não podem ser confirmadas nem refutadas.
Darwinismo: ciência histórica?
Talvez o exemplo mais controvertido de ciência histórica seja encontrado na biologia. A explicação usualmente aceita para a origem da vida e sua fenomenal diversidade é o Darwinismo, que afirma ter a vida surgido em resultado de evolução química, tendo a primeira célula viva dado origem a toda a variedade de vida existente sobre a Terra. De acordo com esta visão, a origem da vida e o desenvolvimento de todas as suas formas subsequentes foram efetuadas pela interação aleatória de substâncias químicas. Inicialmente elas formaram as moléculas necessárias para uma célula viva, o DNA e milhares de proteínas, incluindo muitas enzimas essenciais para o funcionamento da célula. Uma vez esta célula tendo passado a existir, ela gradualmente teria evoluído para formar outros tipos de células, e daí seres pluricelulares, até finalmente as milhões de espécies diferentes que passaram a existir, inclusive os que agora estão lendo este artigo. Essa transformação miraculosa supostamente foi realizada somente mediante mutações nas moléculas de DNA que constituem o código genético -- mutações aleatórias na disposição das quatro "letras" a partir das quais são formadas as palavras de nosso código de DNA. E sobre ele então teria havido a atuação do ambiente, em um processo que Darwin denominou "seleção natural".
Ainda que grande número de evidências possa ser racionalmente interpretado para apoiar a visão darwinista (principalmente na área da adaptação de organismos existentes para melhor se enquadrarem em seu ambiente), a história da origem da vida, do código genético e dos diferentes projetos estruturais existentes no mundo vivo localiza-se no âmbito da ciência histórica. Isto se dá porque, qualquer que seja o cenário preferido para a explicação dessas coisas, nenhum deles pode ser testado em laboratório de maneira a (potencialmente) prová-lo ou refutá-lo. O Darwinismo, apesar de seu status atual de "fato científico", na realidade nada mais é do que uma história que é contada para explicar como estamos aqui, incorporando o maior número possível de evidências. Em algumas áreas ele produz bons resultados, mas em outras ele enfrenta dificuldades significativas. Não há como testar as hipóteses de Darwin experimentalmente, e outras histórias podem ser contadas para a explicação da mesma evidência. E de fato algumas das histórias alternativas são apoiadas mais fortemente pelas evidências disponíveis mais recentes.
Embora a história darwinista sobre as origens esteja em uma categoria distinta da ciência empírica praticada em laboratório, os livros didáticos e os meios de comunicação populares a apresentam como fato, no mesmo sentido em que a lei da gravidade. Além disso, qualquer alternativa a esta história preferencial enfrenta enérgica resistência. Freqüentemente os que assumem a posição darwinista ignoram os questionamentos envolvidos, recorrendo a ataques verbais, ao apelo à autoridade, ou à atribuição de falsas afirmações aos oponentes, para em seguida desmenti-las.
Recentemente, eminentes darwinistas na Inglaterra atacaram certas escolas cristãs (dentre as quais uma dirigida por adventistas do sétimo dia) porque seus currículos incluíam tanto a evolução darwinista quanto a criação bíblica. Eles argumentavam que as escolas deviam apresentar somente o darwinismo, e não deveriam incluir evidências empíricas que apoiassem quaisquer outras hipóteses sobre as origens. A cosmovisão darwinista supõe que não houve projeto ou projetista. Desta forma, a visão darwinista da origem naturalística da vida é aceita como um fato pela comunidade científica majoritária, apesar das evidências colhidas em campo e em laboratório. É este fato que torna os cientistas naturalistas "crentes" tanto quanto os criacionistas, embora o objeto da crença não seja o mesmo para ambos.
Conclusão
Todas as pessoas creem em alguma coisa ou em alguém. Mesmo os cientistas têm um sistema de crenças. Em face disso, os cristãos não têm do que se desculpar quanto ao seu sistema de crenças. Pelo contrário, em sua abordagem à ciência, eles deveriam proceder com (1) respeito e atenção pela pesquisa científica que se relaciona estritamente com o empírico; e (2) humildade e tolerância com relação a outros pontos de vista que tenham apoio de evidências em várias áreas da ciência histórica. Entrementes, os cristãos deveriam desenvolver compreensão mais abrangente da perspectiva do Desígnio Inteligente, apoiando-a, de modo a não serem intimidados ou silenciados por aqueles que insistem que a crença no sobrenatural não tem base científica. Ao fazermos isto, acharemos que muito da pesquisa atual em biologia molecular e na genética mina a posição darwinista, e ao mesmo tempo apóia a ideia de um Planejador.[3] Muitos dados favorecem nossa posição.
Earl Aagaard (Ph.D., Colorado State University) leciona biologia no Pacific Union College, em Angwin, Califórnia. Seu e-mail é: eaagaard@puc.edu
Notas e referências
1. The New York Times Review of Books (January 9, 1997).
2. Popular Science (August 1992), p. 62.
3. Muitos recursos para essa compreensão estão disponíveis em http://www.discovery.org/crsc/ e em arn.org