Existe Verdade Absoluta?


A popular série Dexter tem como personagem principal um especialista em análise de sangue que atua junto ao Departamento de Polícia de Miami. Dexter Morgan leva uma vida pacata ao lado da namorada divorciada e trabalhando no mesmo departamento que a irmã adotiva, uma investigadora. Ao mesmo tempo, Dexter é um serial killer que executa outros assassinos que não puderam ser condenados pela lei. A todo instante, o personagem tem que dissimular a fim de garantir sua sobrevivência. Como psicopata, Dexter não sente emoções, perdas ou remorsos, mas tem que manter as aparências e cumprir diversos papéis sociais, fazendo-se passar por um sujeito comum – o que, em verdade, não deixa de ser um anseio dele.

Talvez o sucesso da série esteja justamente em sugerir que, de certa forma, todos nos vemos confusos, em busca de nosso próprio eu, inseguros diante de papéis contraditórios. Nossa época é marcada pela incerteza. Ela é chamada de pós-modernidade, caracterizando-se por uma negação ao racionalismo autoconfiante do período anterior, a modernidade. Como chegamos a esta fase do pensamento humano?

Certamente, Friedrich Nietzsche deu fundamental contribuição para que isso ocorresse. Sem dúvida, ao “anunciar a morte de Deus, Nietzsche nomeia a ruptura que a modernidade introduziu na história da cultura com o desaparecimento dos valores absolutos, das essências e do fundamento divino”, conclui a escritora Anelise Pacheco. [1] Com sua negação de valores absolutos, [2] Nietzsche abre as portas para pensadores autenticamente pós-modernos, como Michel Foucault e Jacques Derrida. Se Nietzsche atirou a primeira pedra contra o edifício, eles terminaram de demoli-lo. Entretanto, esses pensadores não poderem mascarar algumas incoerências que carregavam.

Não dá pra viver assim
Michel Foucault dizia que a verdade era apenas uma ficção defendia por aqueles que mantinham o poder. Para ele, não havia algo como certo ou errado – a própria moral era obra dos poderosos. Entretanto, ele mesmo chegou a participar de lutas sociais.[3] Ademais, quando convocado por uma comissão para estudar o sistema penitenciário francês, Foucault se viu num terrível dilema: Como punir os estupradores? O filósofo sustentava total liberdade quanto à sexualidade. Mas, se manifestações sexuais não podem ser legisladas, o que dizer do estupro? Infelizmente, Foucault não conseguiu fugir da armadilha causada pelo impasse originado por sua filosofia.[4]

Outro expoente pós-moderno, Jacques Derrida, advogada a livre interpretação da linguagem, tanto a escrita quanto a falada. Assim, uma interpretação textual jamais pode chegar a conclusão alguma![5] Contudo, Jacques Derrida se sentiu injustiçado em um debate com John Searle por achar que em alguns pontos Searle havia interpretado mal seu pensamento. Isso o forçou a abandonar sua defesa da livre-interpretação.[6]

Para onde nos conduz o pensamento pós-moderno? Ele hostiliza a verdade revelada; valoriza  a interpretação em detrimento do conhecimento; relativiza a verdade (enfatizando a verdade comunitária, aceita por consenso geral); e se restringe à transitoriedade, admitindo uma maleabilidade nos princípios.

Por conta de seu antirrealismo, o pós-modernismo enfrenta dificuldades, porque, na prática, se torna impossível vivê-lo coerentemente: “Os pós-modernistas continuam a rejeitar a ilusão modernista – negam que os modelos modernistas representem a realidade – mas, por uma questão prática, admitem que os modelos continuam a servir como ‘ficções úteis’ na vida cotidiana.”[7] Na prática, como alguém já notou, “qualquer tentativa de persuadir alguém a adotar o relativismo assume o absolutismo”.[8] Podemos resumir a incoerência do pós-modernismo da maneira como segue:

1. Ao afirmar que não há uma verdade absoluta, o pós-modernismo faz, paradoxalmente, uma afirmação absoluta.
2. Nenhum sistema filosófico pode ser sustentável se possui contradição interna.
3. Logo, o pós-modernismo não é sustentável. [9]
 
Retorno à Verdade
Se temos que retornar à verdade para dar sentido à existência, a qual verdade retornaremos? Se há tantas visões de mundo, como garantir qual delas seja a correta? Ravi Zacharias nos oferece alguns critérios para aquilatar as propostas de qualquer cosmovisão: “O senso comum diz que ao estabelecer a convicção em uma crença, fazemos mais do que oferecer um desejo do coração ou apresentar alguns elementos isolados das credenciais daquele que faz as reivindicações , com as quais saltamos para conclusões  grandiosas. A verdadeira defesa de qualquer reivindicação deve também lidar com as evidências que a questionam ou contradizem. Em outras palavras, a verdade não é somente uma questão de defesa, no sentido de que deve ser capaz de dar uma resposta racional e sensível aos argumentos contrários que são suscitados.”[10]

Nas palavras de Adela Cortina, “se a fé pretende ser comunicável, deve possuir uma base de argumentação que possibilite o diálogo e destrua a desconfiança que produz sua resistência a deixar-se examinar pela razão”.[11] Isso vale para qualquer fé (crença). Uma visão de mundo tem que ser avaliada pela forma abrangente como interpreta a realidade, bem como pela suficiência e coerência das resposta que provê a perguntas sobre fundamentação de valores morais, destino final da humanidade, razão de nossa existência, etc. É claro que algumas respostas podem coincidir em alguns sistemas; mas, olhando para o todo, qual visão de mundo possui proposta compatível com nosso anseio irrefreado pela beleza, pela verdade e pela justiça? Talvez seja cedo demais para darmos uma resposta definitiva. Todavia, mantenha a mente aberta para considerar a proposta cristã. O enfoque que daremos a seguir se propõe a evidenciar quão completa é a cosmovisão do cristiansmo.
 
Primeiramente, considere: Deus existe ou é apenas uma ilusão humana, originada de desejos reprimidos ou fantasias ancestrais? São indagações como essas que o próximo estudo se encarregará de responder.
(Douglas Reis)
 
Perguntas para Discussão
1. Por que o pós-modernismo não oferece base sólida para nossas decisões e ações?
2. Falar em verdade absoluta soa um tanto arrogante. É possível crer na verdade e manifestar atitude 
tolerante e compreensiva com aqueles que pensam diferente de mim?

Saiba Mais:Douglas Reis, Marcados pelo Futuro: Vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor (Niterói, RJ: Assim Diz o Senhor, 2011).
Stanley J. Genz, Pós-modernismo: Um guia para entender a filosofia de nosso tempo (São Paulo: Vida, 2008).
William Lane Craig, Apologética Para Questões Difíceis da Vida (São Paulo: Vida Nova, 2010)
 
Referências:1. Anelise Pacheco, Das Estrelas Móveis do Pensamento: Ética e verdade em um mundo digital (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001), p. 149.
2. Friderich Nietzsche, Vérité et Mensonge au Sens Extra-moral (Paris: Actes Sud, 2002), p. 181, 182, citado em Rafael Haddock-Lobo, Uma Brisura: Derrida às margens de Nietzsche, disponível em http://www.unirio.br/morpheusonline/Rafael%20Haddock.htm
3. Norman Gulley, Christ is Coming! (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1998), p. 32. Gulley segue Schaeffer nesse ponto.
4. Nas palavras do próprio Foucault, “por um lado, será que a sexualidade pode ser submetida, na realidade, à legislação? De fato, será que tudo o que diz respeito à sexualidade não deveria ser posto fora da legislação? Mas, por outro lado, o que fazer com o estupro, se nenhum elemento concernente à sexualidade figura lei? Eis a questão que eu formei. [...] Nesse domínio havia um problema que se deveria discutir, e para o qual eu não tinha solução. Eu não sabia o que fazer com ele, é tudo”. Entrevista com Michel Foucault, com J. François e J. de Wit, 22 de maio de 1981. Citado em Manoel Barros de Motta (org.), Michel Foucault: A problematização do sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010), p. 340, 341.
5. Stanley J. Grenz, Pós-modernismo: Um guia para entender a filosofia de nosso tempo (São Paulo: Vida, 2008), p. 209, 210.
6. Ellis, Against Deconstruction (Princeton, NJ: University Press, 1989), p. 13, 14, citado por Gulley, p. 33.
7. Stanley J. Grenz, ibid., p.74.
8. Kenneth D. Boa & Robert M. Bowman Jr., An Unchanging Faith in a Changing World: Understanding and responding to critical issues that Christians face today (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1997), p. 56.
9. Douglas Reis, Marcados Pelo Futuro: Vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor (Niterói, RJ: Assim Diz o Senhor, 2011), p. 82, 83. Para uma refutação mais detalhada do pós-modernismo, ver o capítulo 5 da referida obra. “A verdade ou a vida?”, no qual foi baseada boa parte deste estudo.
10. Ravi Zacharias, Por que Jesus é diferente (São Paulo: Mundo Cristão, 2003), p. 75.
11. Adela Cortina, Ética Mínima (São Paulo: Martins Fontes, 2009), p. 231, 232.

(O Resgate da Verdade, p. 11-14, CPB)