Quem se importa com a cosmovisão?


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Fui levado às pressas para o hospital. Sentia dores na região abdominal e nem sequer disfarçava os urros. O primeiro médico que me viu não teve dúvidas e diagnosticou: pedras nos rins – que, segundo alguns, causam dores mais fortes que as do parto. Confesso que, até ali, eu nem me dera conta da relevância dos meus rins (conquanto eles funcionassem, continuariam quase completamente irrelevantes). Não conheço pessoas que se importem com suas amídalas ou seu apêndice, antes que eles inflamem e se torne necessária a intervenção cirúrgica!

Algumas coisas são como esses órgãos citados – se funcionam dentro da normalidade, passam incógnitas. Apenas em meio a uma crise despertam nosso interesse (de vez em quando, sou dolorosamente lembrado de que meus rins existem...). O mesmo raciocínio se aplica ao padrão que orienta nossas escolhas: ele está lá, mas não nos damos conta.

As razões por trás da razão
O sociólogo polonês Zigmunt Bauman observa que poucas pessoas seriam capazes de identificar, de forma objetiva, os princípios que seguem na vida cotidiana.[1] Apesar disso, todos nós temos respostas para as grandes perguntas que fazem parte da vida. Não se trata de respostas abstratas, mas de orientações à vivência diária, assuntos que envolvem desde escolhas aparentemente pouco importantes a questões morais significativas. Neste sentido, Heidegger diz que todos somos filósofos – não por profissão, porém no sentido de que existimos e buscamos resposta para nossa existência.[2]

Embora haja inúmeras formas de entender assuntos como Deus nosso propósito no mundo, o que acontece depois que morremos, etc., há poucos padrões básicos de respostas a essas indagações e outras similares. Dizemos que cada conjunto de respostas forma uma grade conceitual, chamada cosmovisão ou visão de mundo (do alemão weltanschauung). Já foi dito que a cosmovisão é “a suposição fundamental que forma o pensamento e o comportamento das pessoas”[3] ou a “capacidade humana de perceber a realidade sensível”[4], ou seja, de interpretar o mundo que nos cerca.

A cosmovisão influencia o comportamento, as decisões, os valores, os julgamentos e a percepção das pessoas. Portanto, estamos falando de algo que está embutido em cada ser humano, embora muitos sequer saibam definir uma cosmovisão. Entretanto, todas as pessoas possuem uma orientação mental visível em sua vida prática. Logo, elas possuem uma cosmovisão. Entretanto, todas as pessoas possuem uma orientação mental visível em sua vida prática. Logo, elas possuem uma cosmovisão.[5]

É fundamental dialogar com pessoas portadoras de uma cosmovisão distinta em termos significativos para elas: “Cada ser humano é nutrido dentro de um contexto cultural. Indivíduos e comunidades interpretam o mundo por meio desse contexto. Eles avaliam novas ideias, crenças e valores por meio de sua própria cosmovisão prévia. Se somos incapazes de mostrar o evangelho[...] em termos que são inteligíveis para eles, estamos falhando em dar às pessoas oportunidade de ouvir, entender e aceitar a Palavra de Deus.”[6]

Visões em Conflito
Ainda assim, o choque entre visões de mundo conflitantes é inevitável, porque em um mundo plural, como o nosso, constantemente interagimos com pessoas que possuem grades conceituais distintas, razão de haver mal-entendimentos, divergências, conflitos ou desentendimentos mais sérios.

Às vezes, determinada cosmovisão ultrapassa limites de famílias, clãs e países, influenciando grande massa de pessoas. Nesse ponto, tal visão de mundo chega ao patamar de espírito do tempo (zeitgeist). Essa visão de mundo mais disseminada passa a exercer controle sobre as demais, influenciando-as e restrigindo-as.[7]

Para entender bem como isso ocorre, pense na seguinte situação: o bairro X de uma grande metrópole é famoso por seu comércio. Depois de alguns anos de desenvolvimento urbano, surge um shopping center ali. O potencial comercial do shopping é capaz de sufocar as lojas menores, ao mesmo tempo em que será capaz de agregar em suas dependências lojas maiores que possuam perfil compatível com sua proposta. De forma similar, o espírito da época saberá agregar visões de mundo compatíveis com sua proposta, enquanto acabará encurralando no ostracismo aquelas cosmovisões que se lhe opõem.

Você pode notar que algumas perguntas “ficaram no ar”: Como avaliar uma cosmovisão? Até que ponto consigo identificar minha própria visão de mundo? É possível determinar qual visão de mundo é a melhor, ou tudo não passa de mera perspectiva? É sobre isso que falaremos no próximo estudo.
(Douglas Reis)


Perguntas para discussão:

1. Faça um teste simples: escreva em um papel o que você entende sobre Deus. A seguir, faça a mesma pergunta a dois ou três amigos, escrevendo também as respostas deles. Ao fim, compare o que cada um respondeu, notando semelhanças e singularidades.

2. Pense na época em que vivemos. Como você definiria a cosmovisão dominante (espírito da época)? A partir do modo como a maioria das pessoas pensa e age, cite três ou mais características do período em que vivemos.

Saiba mais:
Douglas Reis, Marcados Pelo Futuro: Vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor (Niterói, RJ: Assim Diz o Senhor, 2011)
Francis Shaeffer, O Deus Que Se Revela (São Paulo: Cultura Cristã, 2002).
Nancy Pearcey, Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural (Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006).

Referências
1. Zygmunt Bauman, Ética Pós-moderna (São Paulo: Paulus, 1997), p. 41
2. Martin Heidegger, Introdução à Filosofia (São Paulo: Martins Fontes, 2009), p. 3, 4. No dizer de Francis Schaeffer, “a filosofia é universal em seu escopo. Nenhum ser humano é capaz de viver sem uma visão de mundo; por isso, não há ser humano que não seja um filósofo” (Francis Schaeffer, O Deus que Se Revela, p. 42). “Pessoas em toda parte assumem respostas a estas questões [metafísicas] e depois prosseguem em sua vida diária agindo com base naquelas suposições. Não há como fugir das decisões metafísicas [as quais lidam com estruturas para interpretar o mundo], a menos que alguém escolha vegetar – e até mesmo essa decisão seria metafísica sobre a natureza e função da humanidade”  (George Knight, Filosofia e Educação: Uma introdução de uma perspectiva cristã [Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária adventista – Unaspress, 2001], p.18.
3. Chaltal J. Klingbeil, “Iglesia y cultura ¿amigas o enemias?”, in Gerald A. Klingbeil, Martin G. Klingbeil e Miguel Ángel Núñes, Pensar La Iglesia Hoy: Hacia uma eclesiologia adventista (Libertador San Martín, Entre Rios, Argentina: Editorial Universidad Adventista del Plata, 2002), p. 353.
4. Fabiano de Almeida Oliveira, “Reflexões críticas sobre Weltanschauung: Uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisões numa perspectiva Téo-referente”, Fides Reformata, v. 13, nº 1 (2008), p. 33.
5. Para uma reflexão mais detalhada sobre cosmovisão, veja Douglas Reis, Marcados Pelo Futuro: vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor, especialmente o capítulo: “Crer primeiro, depois ver para crer mais”.
6. Barry D. Oliver. “Can or should Seventh-Day Adventist belief be adapted to culture?”, in Jon L. Dybdahl (ed.), Adventist Mission in the 21st Century: The joys and challenges of presenting Jesus to a diverse world (Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association, 1998), p. 75.
7. Fabiano de Almeida Oliveira, ibid., p. 45.

(O Resgate da Verdade, p. 7-10, CPB)