As aplicações e não aplicações da Parábola do homem rico e Lázaro


A parábola do rico e Lázaro, dita por Jesus, apresenta incríveis lições que precisam ser refletidas e aplicadas em nosso cotidiano. Por outro lado, por meio dela, diversos preceitos criados por homens foram baseados. A seguir, vemos diversas aplicações para a qual a parábola foi pronunciada e podemos perceber diversos erros em mensagens e doutrinas que são pregadas aos quais a parábola não lhes confere autenticidade. Leia com cautela e reflita.
Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente.
Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele;
E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas.
E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado.
E no inferno, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio.
E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro, que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado.
E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá.
E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai,
Pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.
Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos.
E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam.
Porém, Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.
(Lucas 16:19-31)

OS VIZINHOS QUE NUNCA SE ENCONTRARAM – I

Dives, que em latim significa "homem rico", e Lázaro eram vizinhos. Diariamente passavam um pelo outro no portão da casa do rico. Mas, ao que parece, os dois realmente nunca se encontraram. A razão é reveladora: Dives vivia tão absorvido com seu indulgente estilo de vida que nunca notou a presença do pobre homem. Lázaro, como os pobres em geral, era "invisível".

Muitos têm tentado usar essa parábola em apoio à teoria de um inferno em que as pessoas queimam eternamente, desenvolvendo assim uma precária geografia do Céu e do inferno. Porém, segundo Romanos 6:23, "o salário do pecado é a morte". Não é uma "vida no inferno". Esse texto diz ainda que "o dom gratuito de Deus é a vida eterna". Vida eterna e morte eterna são colocadas em contraste; do contrário, nós teríamos dois tipos de vida eterna: uma no Céu e outra no inferno.

Jesus está usando linguagem figurativa. Termos como "sede", "ponta do dedo", "água", "língua" e "seio de Abraão" não podem ser entendidos literalmente. Jesus utiliza noções comuns que haviam adentrado o judaísmo pós-exílico, sob a influência da filosofia grega, para ensinar uma lição básica: todos nós temos apenas uma oportunidade para servir, e essa é enquanto estamos vivos. Por esse caminho passamos apenas uma vez. Não há nenhuma possibilidade de retorno. Todo bem deve ser feito enquanto a porta da vida está aberta.

Essa é a única parábola em que um nome é atribuído ao personagem. Ironicamente, Lázaro significa "Deus é minha ajuda". Cínicos poderiam zombar não do nome, mas do próprio Deus, que aparentemente não serve de ajuda aos milhões de famintos do mundo. O problema, contudo, não está com Deus, mas com Seus "mordomos". Deus criou um mundo com alimento suficiente para todos, mas o mundo não tem o suficiente para a ganância de todos. Enquanto muitos não têm o que comer, quase 50% da população em países ricos é obesa. Os livros mais vendidos nesses países têm que ver com dieta. Como emagrecer. Não parece realmente irônico que acusemos a Deus dos desequilíbrios criados pelo próprio homem? Os Dives do mundo continuam sem se encontrar com os vizinhos pobres e indiferentes à sorte e à miséria deles.

OS VIZINHOS QUE NUNCA SE ENCONTRARAM – II

Jesus não economiza palavras para descrever o quadro. Lázaro, sobrevivendo de magra caridade, "jazia cheio de chagas", indicando que ele era desabilitado, dependendo de outros para movê-lo. "Cães lambiam as suas úlceras" (v. 21), ele era incapaz mesmo de se proteger. Faminto, desejava alimentar-se das migalhas de pão que caíam da mesa do rico. No Oriente, pedaços de pão serviam tanto de garfo como de guardanapo, e eram jogados ao chão depois do uso.

A morte de Lázaro não surpreende ninguém. Seu enterro nem mesmo é descrito. Na sabedoria convencional dos judeus, a miséria na terra era resultado da desaprovação divina. O destino de Lázaro, entretanto, é o "seio de Abraão". Reversão maior não poderia ser imaginada. Dives, o rico, também morre. Funeral custoso é realizado com o luxo adequado à sua riqueza, mas não há nenhum anjo para transportá-lo. Na próxima cena, encontramos Dives no Hades – na tradição grego/judaica, o lugar de tormento. O abismo entre os dois é maior do que aquele criado pela riqueza contrastante com a miséria da cena anterior.

Para os que querem literalizar a parábola, uma questão é interessante: deveriam explicar se o Céu e inferno estão próximos o suficiente para que haja diálogo entre um lado e outro. Na realidade, esses detalhes sugerem apenas um aspecto prático da vida, não uma teologia ou doutrina sobre o estado dos mortos.

Como se Lázaro fosse seu escravo, Dives pede ao "pai Abraão" que o mande trazer-lhe água e depois solicita que o envie a advertir seus cinco irmãos, que caminham para a mesma direção (v. 24-28). Há milhões que são imitadores do homem rico: "Eu creria se Deus fosse mais claro." Assim, Deus é considerado culpado pela incredulidade deles. A resposta de Abraão é demolidora: "Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos" (v. 29). Se não crerem nesses, não crerão "ainda que ressuscite alguém dos mortos" (v. 31). A lógica de Abraão é confirmada pela ressurreição de outro Lázaro (Jo 11). Em lugar de crerem, o milagre tornou-se razão para endurecimento adicional. Deus fala por meio de Sua criação, da história, da Palavra escrita e da Palavra encarnada, Jesus Cristo. Não necessitamos de nada mais. O que realmente precisamos é de um coração sensível. Nosso problema não é revelação insuficiente, mas fé insuficiente. Afinal, não é a riqueza que exclui Dives do Céu, mas sua incredulidade. 

REPENSANDO A PARÁBOLA

A força da mensagem contida na parábola do rico e Lázaro tocou a vida de Albert Schweitzer. Ele viu a África como um mendigo, jazendo nos portões da Europa. Como médico cristão, dedicou-se em serviço de compaixão no continente africano. O propósito dessa parábola, como vimos, não é oferecer uma doutrina sobre o estado dos mortos, mas chamar nossa atenção para a oportunidade de utilizar nossos recursos para servir enquanto temos vida.

A dramática narrativa foi provavelmente precipitada pela atitude dos fariseus, que "amavam o dinheiro" (Lc 16:14, NTLH). Quando esses "piedosos" atores ouviram que, segundo Jesus, é impossível "servir a Deus e às riquezas" (v. 13), eles O ridicularizaram (v. 14). Jesus conta então essa história (v. 19-31). O drama em três atos nos estarrece. Primeiro, Jesus descreve o contraste dos estilos de vida dos personagens. Lázaro, o mendigo, permanece "invisível" em sua miséria. O rico vive de modo indulgente, em suas roupas e banquetes.

Hoje, mais que nunca, o uso egoísta das posses levanta barreiras. Socialites aparecem em festas extravagantes, com vestes de grifes de preços assombrosos, ou gastos patológicos com luxos para animais de estimação. No segundo ato do drama, os personagens surgem por ocasião da morte. Lázaro está próximo de Abraão, o pai de Israel. Dives teve funeral suntuoso, talvez até tenha sido declarado feriado. Mas foi para o hades – segundo a crença popular, o local de castigo. Não que ele fosse irreligioso, pois até clama ao "pai Abraão" (v. 24). Talvez tivesse sido um bom praticante da religião. Contudo, viveu sem amor, cavando fundas valas ao redor de si. A terceira cena é o diálogo entre o rico e Abraão. Os pedidos são negados, e Abraão afirma uma verdade universal: aqueles que são surdos à voz de Deus em Sua revelação não serão convencidos por milagres e sinais.

Qual o pecado de Dives? Nunca ter notado Lázaro. Qual é o nosso? Cada ano, entre 15 a 20 milhões de pessoas morrem de fome e enfermidades relacionadas a ela. Cerca de 12 milhões são crianças com menos de 5 anos.

A cada ano, 250 mil crianças se tornam cegas por falta de vitaminas. Você passa por muitas delas a caminho do trabalho, escola, igreja ou em sua porta. Você as vê? Nosso pecado é que simplesmente não fazemos nada.

(Amim A. Rodor - Meditações Diárias - CPB)